domingo, 7 de junho de 2009

Zuze Bisgate. Logo na entrada do mercado, bem par baixo da grande pahama se erguia sua banca. Quando a manha ja estava em cima, Zuze Bisgate assentava os negócios. 0 Que ele fazia? Alugava bisga, vendia 0 cuspo dele. A saliva de Zuze tinha propriedades de lustrar sapatos.
- E melhor que graxa, enquanto graxa nem ha.
Alem disso, 0 preço dele era mais favorável. Cada cuspidela saia a trezentos, incluindo 0 lustro. Maneira como ele precedia era seguinte: 0 cliente tirava 0 sapato e colocava 0 pé empeugado do cliente sobre uma fogueirita. 0 Pé ficava ali apanhando uns fumos para purificar dos insectos infecciosos. Zune Biscate pegava no sapato e cuspia umas tantas vezes sobre ele. Cada
Cuspidela contava na conta. Passava 0 lustro com um pano amarrado no próprio cotovelo. Razao do pano, motivo de esfregar com 0 cotovelo:
- Dessa maneira a minha saliva me volta no corpo.
E que este nito e urn cuspe qualquer, urn produto industrioso desses. Nisto, isto e uma saliva bastantissima especial, foi-me emprestada por Deus, digamos foi un pequeno projecto de apoio ao sector informal. E que Deus conhece-me bem, pá. Eu sou um gajo com bons contactos lã em cima.
Os clientes não se faziam enrugados. As vezes ate abichavam frente da banca dele. Fosse da saliva, Fosse da conversa que ele lustrava. Verdade era que 0 neg6cio de Zuze corria em bom caudal.
Quem não se dava bem com os cuspes era sua mulher Armantinha. Não se pode beijar aquela boca engraxadora dele, se lamentava. Prefiro beijar uma bota velha, conclula. Ou lamber uma caixa de graxa.
Ar mantinha sonhava para saltar frustração. Um dia, qualquer dia, haveria de beijar e ser beijada. Sonhava e resonhava. Lhe apetecia um beijo, agua fazendo crescer outra água na boca. Lhe apetecia como um cacto sonha a nuvem. Como a ostra ela morria em segredo, como a pérola seu sonho se fabricava nos recônditos.
Avisaram 0 marido. Ar mantinha estava sonhando longe de mais. 0 Homem respondeu em variações. Beijo é coisa de branco, quem se importa. E depois, minha boca cheira a coisa jalecida. Quem se aflige com matéria mortal S6 os da cidade. N6s, daqui, sabemos bem: e do podre que a terra se alimenta. Acontece que Zune Biscate se foi metendo nos copos, garrafas, garrafões. Tudo servia de líquido, Zune destilava ate pedra. De toda a substancia se pode espremer Um alcoolismo, dizia. Mais e mais ele desleixava a caixa de cuspos e lustros. Ate que os clientes reclamaram: a saliva de Zune esta ganhando ácidos, aquilo bom e para desentupir as pias. E temendo pelos sapatos os demais se evitavam de frequentar a tenda banhada pela grande pahama.
Ate Chico Médio, homem sempre calado, reclamou que a saliva dele the fez murchar os atacadores, pareciam agora cobras sem esqueleto vertebral. Pouco a pouco Zune perdeu toda a clientela e 0 neg6cio das salivas fechou.º
Se decidiu entao a mudar de ramo. Recordou, de seu pai, a maxima: a alma e 0 segredo de um negócio.
Alma, era isso que se necessitava. E assim ele imaginou um outro neg6cio. E agora quem 0 ve, nos actuais dias, constata a banca com sua nova aparencia. E Zune mais seu novo posto. Seu labor e um quase nada, coisa para ingles nao ver.
Ali, na fachada, arrega~a as calças, com cuidado para nao as desvincar. Sempre com desvelo de burocrata,
Desembrulha um volume retirado das entranhas de sua banca: uma gaiola farrada a rede fina. Dentro voam moscas. Pois e 0 que ele vende: moscardos. Materia viva e mais que viva – vital para 0 mortal cidadão. Pois, diz o Biscate, cada um deve tratar as moscas que, depois
de mortos, nos visitariio 0 tIumulo.
- Sao os nossos ullimos acompanhantes.A pessoa passa par ali, se debru~a sobre 0 vendedor
e escolhem as voadoras bestas, as mais coloridas que engalanarao 0 funeral:
_ Esta ha-de ficar mesmo bem na sua cerim6nia.
Ele convida 0 hesitante cliente a if it banca ao lado, abanca da Dona Cantarinha. Para lavar as moscas, explica.
- Lavar as moscas?
- Sim, e lavagem a seco.
Ar mantinha cada vez mais se distancia daquela loucura.
0 marido se apronta e para grandes descansãos.
_ Ai nosso Senhor Jesus eristao.' Voce, homem, você vende alguma coisa?
- Faz as contas, mulher.
_ Que contas? Que contas se pode jazer sem numeros?
_ Ainda hoje vendi uma manada de moscas a esse tipo novo que chegou a aldeia.
- Qual que chegou?
_ Esse gajo que montou banca lã nas traseiras do bazar. Uma banca que ate mete as gra~as, chama-se Pinta-Boca•.
o homem se chama Pinta-Boca?
- Qual 0 homem.' A banca se chama.
Armantinha se inflama logo de sonho. Já a boca dela se liquides faz. Sua boca pedia pintura como a cabeça Ihe requeria sonho. E, logo nessa manha, ela ronda a nova tenda, se apresenta ao novo vendedor. Ele se declina:
- Sou julbemardo, venho de la, da cidade. Banca Pinta-Boca. 0 Nome faz jus. Na prateleira ele
Tem uma meia dúzia de batons com outras tantas cores. As mulheres se chegam e estendem os lábios. Julbernardo pede que escolham a coloração. Moda as brancas, vermelhas das beiças. Uma pintadela 250 meticais.
Amartinha, já devidamente apresentada, ganha coragem e encomenda uma colora dela.
- Aqui, se paga em adiantado.
Ela retirou as notas encarquilhadas do soutien. Vasculhou as largas mamas a procura dos papéis. Tinha seios tão grandes que nem conseguia cruzar os braços.
- Este aqui seu dinheiro.
- Não chega nem basta. Essa tabuleta do pregão era na semana passada. Agora e 250 um lábio.
- Um lábio?
- Se for 0 de cima, 0 de baixo custa mais caro. Porque e maior.
- Estou fracassada com você, julbernardo. Vá, pinte 0 de cima, amanha venho pintar 0 de baixo.
- Esta certo, eu vou pintar.
Julbernardo pegou no batom com habilidade de artista. Aquilo era obra para ser vista. Metade do povoado vinha assistir as pinturas. A gente seguia caladinha, aquilo era cena a prova de fala. Julbernardo metia um avental, ordenava a cliente que sentasse no tronco cortado do canhoeiro.
Armantinha obedecia ao ritual. Sentada, ergueu a rosto. Fechou os olhos, compenentrada em si. 0 pintador limpou as mãos no avental. Se debruçou sobre a tela viva e fez rodar 0 batom no ar antes de riscar a carne da cliente. Sentada no improvisado banco Armantinha deu largas ao sonho. 0 batom acariciava 0 lábio e tornava seu corpo misteriosamente leve, como se naquele
toque se anulasse todo 0 peso dela.
Sonhava Armantinha e 0 sonho dela se apoderava. Nesse devaneio 0 batom se convertia em corpo e já Julbernardo se inclinava todo sobre ela e os lábios dele pousavam sobre a boca dela, trocando húmidas ternuras. Mundo e sonho se misturavam, os gritos da multidão ecoavam na gruta que era sua boca e, de repente, a voz raivosa de Zune também Ihe esvoaça na Gabe~a. E eis que Arrnantinha' abre os olhos e ali, bem a sua frente, 0 seu marido se engalfinhava com Julbernardo. E murro e grito, com a gentalha rodopiando em voltaº. De repente, já urna deles se apresenta de desbotar vermelhos. Os dois se misturam e uma faca rebrilha na
mão de Zune. Depois, num saciio, se separam os dois corpos. Estiio ambos ensanguentados. Julbernardo com o avental ensopado de vermelho da dois passos e cai redondo. Num instante, uma multidão de moscas se avizinha. Zuze, vitorioso, aponta a mulher:
- Vê? Vê as moscas que vendi a esse cabrao?
Mas as moscas, em lugar de escolherem 0 tombado Julbernardo, circundam a cabe~a de Zuze. Alarmado, ele enxota-as. Em vao: ja a moscardaria Ihe pousa, vira e revira. Entao, Zuze Bisgate desce dos seus pr6prios joeIhos e se derrama em pleno chao. 0 sangue se ve brotar de seu peito. Julbernardo desperta e se ergue, ante o espanto geral. Com mão corrige a mancha vermelha com que 0 batom esmagado enchera 0 seu branco avental.




Resumo Gaiola de Moscas de Mia Couto

Zuzé bisgate tinha uma banca no mercado de engraxar sapatos, e limpava os sapatos aos clientes com o seu cuspo porque, dizia ele era melhor que graxa.
Cada engraxadela saia a trezentos escudos e enquanto ele engraxava os sapatos os clientes punham os pés ao pé de uma fogueira. Zuzé dizia que o cuspo dele tinha sido emprestado por deus, e que era um Homem com bastantes contactos no céu, mas os clientes não se importavam com o facto de ele engraxar os sapatos com cuspo, a excepção era a mulher de Zuzé, Armantinha que se lamentava por não poder beijar a boca cheia de cuspo do marido.
Avisaram Zuzé disto, mas ele dizia que, beijo era coisas de brancos.
Zuzé começou a meter-se nos copos, e estava sempre a beber, de tal maneira que os clientes começaram a reclamar que a saliva de Zuzé estava a ficar ácida, o que levou a Zuzé perder todos os clientes e a fechar o seu negócio.
Zuzé foi obrigado a pensar num outro negócio que era de cada pessoa tratar das moscas de depois de mortos, elas iam-nos visitar no túmulo e vendia as moscas que depois eram lavadas a seco.
A sua mulher estava cada vez mais preocupada com as ideias do marido.
Armantinha foi a banca de um vendedor que se chamava Julbernardo e que tinha vindo da cidade que vendia as coisas muito caras mas mesmo assim ela comprou e deixou o vendedor pintar-lhe os lábios e o vendedor acabou por a beijar, foi quando apareceu Zuzé começou a bater no vendedor e matou-o.
De seguida chegaram as moscas que ele lhe tinha vendido.

Estrutura

Exemplo de descrição:
“O cliente tirava o sapato e colocava o pé empeugado do cliente sobre uma fogeirita”
Exemplo de narração: “Até que os clientes reclamaram: a saliva de Zuzé estava ganhando ácidos ”
Personagens
Principal: Zuzé Bisgate
Secundário: Armantinha e Julbernardo
Composição das personagens
Personagem Plana: Armantinha e Julbernardo
Personagem Modelada: Zuzé Bisgate
Caracterização psicológica: As ideias de négocios que Zuzé teve no decorrer do conto põem em evidencia que ele é uma personagem criativa, imaginativa e lunatico
Espaço: “…logo na entrada do mercado”
Tempo: ”Quando a manhã…”
Narrador: Não participante heterodiegético


Trabalho realido por:
João Luís Tomé

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